Nada mais a completava. O trabalho não a estimulava, os amigos já não a divertiam, a televisão não satisfazia. Chegar em casa e encontrar tudo lá, a cama, os armários, os tapetes no seu devido lugar a deixava com náuseas. O computador, um mero objeto inútil e inaproveitável em cima da escrivaninha. Aquela escrivaninha, que permanecia lá naquele canto, naquele quarto, e que onde quer que ela fosse, quando voltasse se depararia com aquilo, intacto, imóvel e sem vida, ou talvez com mais vida do que ela própria.
Ao deixar tudo aquilo para trás ela não pensou. Tudo aquilo não tinha mínima importância, tudo aquilo não a preenchia. O dia-a-dia, o trabalho, as propagandas irresistíveis pela rua que para ela não passavam apenas de cartazes em branco, os convites para festas e eventos, as conversas, as luzes, os cheiros, os sabores, nada mais lá tinha sentido.
O sentido da vida estava nos holandeses, que se tornaram chineses, americanos, africanos e indianos, e que antes foram canadenses, australianos, espanhóis, egípcios, franceses. O sentido da vida não estava no macarrão instantâneo comprado por algumas moedas no mercado de sempre e que estava no armário de sempre, esperando para ser comido, mas sim nos sushis, nos chocolates suíços, no espaguete, no vinho francês e nos hambúrgeres, que ela sempre tinha uma maneira de provar.
O sentido da vida não estava nos seus amigos, aqueles amigos, que na verdade não eram amigos, ou não tentavam ser, ou ela não deixava que fossem realmente. O sentido da vida estava nos feirantes, camponeses, jovens, idosos, músicos, aventureiros, contadores de histórias. O sentido da vida estava em fazer fogueiras na floresta, em conhecer as maravilhas do deserto, das montanhas, das praias, estava em caminhar por capitais, em pedir estadia para qualquer um, em se perder, e depois se achar, e depois se perder, e depois se achar, e assim sucessivamente.
O sentido de tudo não estava naquela vida que ela estava levando e que deixou para trás rápido e sem avisar, como uma chuva repentina em um dia de verão. O sentido de tudo era a mochila nas costas, o ônibus, a dúvida, o medo, a solidão, o frio da barriga. O sentido de tudo era a Groelândia, ou as Bahamas, ou a Rússia, ou o México, ela não sabia, só sabia que viver sem sentido era o que dava sentido para a sua vida.
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